domingo, 2 de novembro de 2008

Ensaio: Personagens árabes na obra de Jorge Amado

Por Jorge Medauar*

Com essa retrospectiva resumida, de tantas e tão profusas marcas árabes nas várias culturas do mundo, mas especialmente na nossa, é mais do que natural que um escritor, com raízes tão populares quanto Jorge Amado, traga, no bojo de sua tão extensa obra, a presença marcante dessa influência não apenas na língua, seu preponderante instrumento de expressão, como nos personagens árabes ou de origem árabe que se misturam tanto na "democracia racial brasileira", em geral, como particularmente no tecido de seus romances; movimentando-se entre negros, crioulos, espanhóis ou portugueses criados para viverem o drama, a tragédia, ou o amor que palpita nos romances desse autor que é o mais importante e mais expressivo escritor da "nação grapiúna", definida por Adonias Filho, outra não menos significativa expressão daquela "civilização" tão peculiar.
Jorge Amado é, na verdade, aquele que cantou tão bem a sua aldeia, com árabes, negros, etc., que se universalizou, universalizando sua terra e, por extensão, todo o país. Nenhum dos seus leitores de origem árabe ou leitores comuns, do Brasil ou de qualquer país onde estejam suas obras traduzidas, ao deparar com algum dos seus personagens árabes, não encontraria neles nada que não seja genuinamente árabe quer nas reações, no comportamento psicológico, como na descrição física, com suas características raciais, bem como nas suas atividades de trabalho, que são, preponderantemente, o comércio.
Mas há também o malandro. O contrabandista. Ou o intelectual. Circulando em seus romances, vindos de Ilhéus, de Itabuna, Água Preta ou Salvador, seus árabes ou descendentes caminham em seu universo com a mesma naturalidade dos tabaréus, coronéis, bacharéis, prostitutas, malandros, trabalhadores de roça, capoeiristas, jagunços, gente anônima das ruas. E muitos entraram em sua obra tão marcantemente como Jubiabá, Guma, ou Tereza Batista, transformando-se no personagem principal, naquele em tomo do qual se desenrola a história ou o romance. É bem o caso de Nacib, de Gabriela, Cravo e Canela, e desse fabuloso Fadul Abdala, de Tocaia Grande, que tivemos a honra de conhecer ainda no embrião da história. Em outubro de 1983, quando Jorge Amado principiava a escrever seu romance, mandou dizer-nos, em carta: "Este meu romance da 'face obscura' está cheio. de árabes: um deles, Fadul Abdala, personagem fundamental, é porreta. Aliás, aconteceu uma coisa engraçada: para contar uns percalços de Fadul acabei escrevendo uma noveleta (45 páginas) de árabes em Itabuna, mas eu a retirei do contexto do livro onde ela pesava demasiado sobre a história do lugarejo - cujo nome é Tocaia Grande, futura Irisópolis. Mas, quando terminar o livro, voltarei a trabalhar a noveleta da luta entre Deus e o Diabo pela alma de Fadul".
Leio o texto na íntegra: http://www.hottopos.com/collat7/medauar.htm
* Romancista, contista e poeta. Artigo publicado originalmente em nossa Revista de Estudos Árabes N. 1, DLO-FFLCHUSP, 1993.

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